segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Há festa na minha aldeia

Este fim-de-semana, reuniu-se a pandilha para confraternizar à volta da mesa, a pretexto do orago lá da terra. É nestas assembleias anuais, de participação exclusivamente masculina, que mais nítida se torna para mim a inclemência do tempo, reflectida nas proeminências estomacais de alguns ou nas diáfanas cãs de outros. A um canto, discute-se o pesado jugo do crédito à habitação; noutro, as peripécias e conquistas da recente prole. Desenha-se inevitável, na minha mente, a comparação, mutatis mutandi, com a geração de 70 (a maior parte de nós, nasceu efectivamente nos 70 - porém um século mais tarde e nunca usou fartos bigodes). E não evito pensar, com alguma repugnância até, nos vendidos (e vencidos) que nos tornámos; nós que, há 15 anos, íamos domar o mundo à nossa vontade, nós que nos proclamávamos então acima das vicissitudes terrenas, vemo-nos agora vergados à insofismável e irredutível lógica do tempo, perfeitamente formatados e integrados na infernal engrenagem que tudo, a seu bel-prazer, submete.

Nestas ocasionais tertúlias dionisíacas, a rapaziada, inflamada pelo consumo exagerado de muito booze e outros alteradores de consciência, estende-se pela densa trama da metafísica de caserna, aflorando invariavelmente outros mistérios insondáveis da aventura humana; em poucas palavras, a conversa descamba invariavelmente em mulheres e sexo.

Contam-se histórias recentes, recordam-se peripécias antigas em companhia de A ou B. Por entre os humores do álcool, sussurra-se uma ou outra confidência em forma de desabafo: “a minha, desde que foi mãe, mudou muito. Já não me corresponde da mesma forma…” “isso é normal” – consola outro, manifestando a sua solidariedade masculina. “Ou então tem outro!” – contesta um mais atrevido; ao que todos, até o visado, riem desbragadamente.

Entretanto, como invariavelmente acontece quando se está em boa companhia, o tempo cavalga célere e Hélios empreende impassível a sua marcha para o horizonte. Sobre a mesa, aspergida por nódoas de vinho tinto, jazem as ossadas descarnadas de um juvenil suíno, a lembrar uma tela de Bosch. Ao longe os altifalantes da comissão de festas berram os últimos sucessos da cantiga popular.

“Foda-se!!!” “Já viste que horas são?” “Já estou fodido!!!” “A minha mulher mata-me!!!”

Esboço um plano para me safar; entro mudo e saio calado e, em último recurso, atiro-lhe com meia dúzia de tretas que ouvi no outro dia ao Daniel Sampaio, de que há vida para além do casamento e que tanto ele como ela têm de ter o seu próprio espaço e blá…blá...bláa…zzzz…zzzz… De preferência não falo para que não me traia o próprio hálito.

6 comentários:

maria teresa disse...

Ao ler este seu texto "vi" o que penso acerca das conversas que os homens, quando se juntam,têm entre si.
Para uma pessoa como o Demóstenes ( estou a referir-me ao seu domínio da palavra escrita)são muito pobres, paupérrimas (as conversas)...

Demóstenes disse...


Maria Teresa,

Vejo-me forçado a assentir. No fundo, à parte diferentes backgrounds que conferem especificidade e individualidade a cada qual, nós, os homens, temos todos uma sensibilidade-de-manada-de-elefante-em-debandada no que ao sexo oposto diz respeito. A coisa toma mesmo proporções dantescas quando potenciada pela abundância de álcool... Em defesa própria diga-se que não sou assim... esta é apenas uma caricatura de mim mesmo quiçá extensível ao masculino de uma geração.

Obrigado pela fidelidade com que vai seguindo as minhas picarescas narrativas. Não as deve levar muito a sério, porque sérias não se pretendem.

Demóstenes disse...


ADENDA AO ANTERIOR:

Gostei do uso do superlativo!!!

Sairaf disse...

Afinal os homens conversam sobre os mesmo temas das mulheres, tem todos os mesmos desejos e vontades... continuo é sem perceber porque não falam entre si sobre os problemas.

É verdade que ambas as partes precisam de espaço, por vezes esse afastamento ajuda a apimentar a relação.

Abraço grande
Adoro a forma como escreves.
Sairaf

Demóstenes disse...


Sairaf,

Obrigado pela visita e pelo comentário elogioso.

Às vezes suspeito que eles e elas não estão no mesmo comprimento de onda.

Volta sempre!

AC disse...

Pfffff...conversas de gajos!
Normalmente sobre gajas e sexo.. às vezes também..carros e futebol.
Conversas de gajas..sobre gajos e sexo...às vezes também sobre moda e filhos:)

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