domingo, 20 de junho de 2010

Zapping

A esta hora, a TVE transmite um interessantíssimo programa sobre Portugal tendo como cicerone nada mais que o recentemente falecido Saramago.

Simultaneamente, a TV5 (canal francês) exibe um documentário sobre Jean-Michel Jarre.

Ao mesmo tempo, a RTP transmite o Holanda/Japão. Em diferido.

Acho que está tudo dito.

sábado, 5 de junho de 2010

Memórias de infância

Fui abençoado (e simultaneamente amaldiçoado) com uma memória prodigiosa.
De paquiderme dir-se-ia.

Dos primeiros dias de vida extra-uterina guardo a imagem dos bigodes farfalhudos de meu pai debruçado sobre o berço de pinho crú que era, naquela altura, todo o meu universo; o rosto macilento da minha jovem mãe no vigor dos seus vinte e (muito, talvez demasiado) poucos anos quando me acolhia no seu regaço e oferecia o seu peito desnudo à amamentação do seu precioso rebento.
Quantos sonhos e expectativas depositados no primogénito!
Depois vieram os dias dos tostões contados, do pão duro da véspera - ainda assim pão-nosso de cada dia - os invernos rigorosos amenizados pelo crepitar das castanhas assadas à lareira ouvindo miríades de fábulas da boca do avô.

E o paizinho foi para África ganhar o pão que cá escasseava.

E o bebé deu lugar à criança e o jovem apareceu depois e em pouco tempo fez-se prematuro homem; não por fora, que a biologia reclama o seu tempo, mas por dentro.

Do paizinho regressou, passados alguns anos, apenas o corpo, mais ausente que presente, e uma cabeça débil povoada sabe-se lá por que ultramarinos fantasmas afogados apenas pelo uso, e não raro abuso, da bebida.
Incontáveis as noites em que espiei a minha mãe, sentada na beira da cama, a chorar copiosamente, velando ansiosamente a chegada incerta do meu pai. E finalmente lá vinha o meliante, altas horas da noite, cambaleando embriagado depois de mais uma noite de farra com os amigos. As más companhias, aliás, foram a desgraça do meu pai.
A minha mãe sempre foi a pedra angular da frágil edificação que é a família.

E o rapaz, feito homem à pressa, cresceu alimentando-se da revolta em surdina.

Foi uma infância difícil, de afectos paternais sonegados, e não é pois de estranhar que mal tenha surgido a oportunidade de fuga daquela realidade, o rapaz nem tenha pensado duas vezes.
E a oportunidade tardou mas surgiu da mais inusitada forma.
Num dia morno de primavera, o pároco da aldeia, durante modorrosa homilia, trouxe a lume a questão da vocação sacerdotal.
O bom do clérigo, esgrimindo da mais fina retórica monacal, dirigia-se à assembleia questionando se não haveria na paróquia rapazes, a frequentar o ciclo preparatório, interessados em passar um fim-de-semana no seminário diocesano; à experiência e sem qualquer pesado contrato vitalício que esta coisa da vocação sacerdotal quer-se leve como as plumas dos querubins os quais, como se sabe, tocam trombetas celestiais à direita do Todo-Poderoso.
E a retórica inflamada do padre fez naquela manhã duas vítimas: o meu vizinho, melhor amigo desde tenra idade, e eu.
E numa solarenga tarde de sábado lá fomos os dois cheios de expectativa ao nosso primeiro encontro do pré-seminário.
Impressionou-me de sobremaneira o silêncio daqueles imensos claustros.
Diz-se que Deus fala no silêncio e, naquela tarde, julguei eu na minha lógica infantil, ter ouvido um sussurro...

Reunião de (con)domínio

     Fim de tarde de Março, marçagão.      Soturnamente contemplo ao longe as nuvens que, neste fim de tarde, açoitadas por Éolo, cavalgam c...