quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Memória (olfactiva) de um tórrido Estio

Há instantes cheirou-me a amores antigos, a paixões perdidas. Sabem quando o olfacto nos trai relembrando-nos odores há muito soterrados no âmago do subconsciente? Pois bem, hoje, o meu nariz, qual arqueólogo do sentir, recuperou os relicários dum passado emocional que julgava perdido na bruma do devir. Chamava-se MG. (vamos mantê-la assim no discreto anonimato de um monograma). Extremenha de nascimento, Salmantina por adopção. Olhares taciturnos interceptaram-se numa primeva tarde de Jardim do Éden. Estendeste-me copiosamente a maçã carnuda do teu seio e eu, genuflectindo à laia de cruzado, sucumbi ao teu canto de Sereia. E quantas vezes, naufragados nos lençóis depois que o sexo se faz mole, sussurraste-me em mesura cervantina melífluas promessas de eternidade. E eu, Lot fugido na eminência dos dias últimos de Sodoma e Gomorra, rompi em pranto e soube, à medida que os quilómetros se adicionavam expandindo o abismo entre nós, que nunca mais teria acesso ao teu terno regaço nem jamais provaria a exacta medida do teu amplexo.

Estados d'alma

O Demostenesinho está triste porque os outros meninos(as) não querem brincar...buáaaaa...

Bruno Amadio(Giovanni Bragolin), O menino da lágrima

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Há festa na minha aldeia

Este fim-de-semana, reuniu-se a pandilha para confraternizar à volta da mesa, a pretexto do orago lá da terra. É nestas assembleias anuais, de participação exclusivamente masculina, que mais nítida se torna para mim a inclemência do tempo, reflectida nas proeminências estomacais de alguns ou nas diáfanas cãs de outros. A um canto, discute-se o pesado jugo do crédito à habitação; noutro, as peripécias e conquistas da recente prole. Desenha-se inevitável, na minha mente, a comparação, mutatis mutandi, com a geração de 70 (a maior parte de nós, nasceu efectivamente nos 70 - porém um século mais tarde e nunca usou fartos bigodes). E não evito pensar, com alguma repugnância até, nos vendidos (e vencidos) que nos tornámos; nós que, há 15 anos, íamos domar o mundo à nossa vontade, nós que nos proclamávamos então acima das vicissitudes terrenas, vemo-nos agora vergados à insofismável e irredutível lógica do tempo, perfeitamente formatados e integrados na infernal engrenagem que tudo, a seu bel-prazer, submete.

Nestas ocasionais tertúlias dionisíacas, a rapaziada, inflamada pelo consumo exagerado de muito booze e outros alteradores de consciência, estende-se pela densa trama da metafísica de caserna, aflorando invariavelmente outros mistérios insondáveis da aventura humana; em poucas palavras, a conversa descamba invariavelmente em mulheres e sexo.

Contam-se histórias recentes, recordam-se peripécias antigas em companhia de A ou B. Por entre os humores do álcool, sussurra-se uma ou outra confidência em forma de desabafo: “a minha, desde que foi mãe, mudou muito. Já não me corresponde da mesma forma…” “isso é normal” – consola outro, manifestando a sua solidariedade masculina. “Ou então tem outro!” – contesta um mais atrevido; ao que todos, até o visado, riem desbragadamente.

Entretanto, como invariavelmente acontece quando se está em boa companhia, o tempo cavalga célere e Hélios empreende impassível a sua marcha para o horizonte. Sobre a mesa, aspergida por nódoas de vinho tinto, jazem as ossadas descarnadas de um juvenil suíno, a lembrar uma tela de Bosch. Ao longe os altifalantes da comissão de festas berram os últimos sucessos da cantiga popular.

“Foda-se!!!” “Já viste que horas são?” “Já estou fodido!!!” “A minha mulher mata-me!!!”

Esboço um plano para me safar; entro mudo e saio calado e, em último recurso, atiro-lhe com meia dúzia de tretas que ouvi no outro dia ao Daniel Sampaio, de que há vida para além do casamento e que tanto ele como ela têm de ter o seu próprio espaço e blá…blá...bláa…zzzz…zzzz… De preferência não falo para que não me traia o próprio hálito.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Campanário da minha infância

Por estes dias, aqui no despacho, respira-se uma pachorrenta calma de dromedário. À falta de banda sonora capaz, o zunido de mil moscas preenche a lacuna. Combate-se a modorra exercitando o voyeurismo na virtualidade do ciberespaço. E espera-se, impavidamente, o infindável desfiar das horas…

Salvador Dalí, A persistência da Memória

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Twilight zone (parte I)

Dormi mal. Aliás, não dormi. Dormitei. Os filhos das putas dos cães da vizinhança latiram toda a santa noite. A páginas tantas, ocorreu-me que uma ou duas sôfregas quecas rendessem o corpo exangue aos braços inebriantes de Hipnos; mas, do outro lado, não houve a necessária receptividade. Ora foda-se!!! Aninho-me amuado e, qual Priapo com o sexo ainda em riste, cerro os olhos na esperança de que o torpor acalme rapidamente o viril ímpeto. Em vão; os cães outra vez.

Ao almoço, o segundo momento surreal do dia.

Horas antes, havia-me ligado um daqueles amigos de infância com quem se criam laços para toda a vida mas de quem, por artes e manhas desta, há muito não tinha notícias. Recebi com agrado a notícia de que se havia recentemente mudado para a grande cidade. Convidava-me para almoçar em sua nova casa hoje mesmo. Acedi de imediato.

À hora marcada lá estava eu, no nº tal da rua X, conforme indicado.

Recebeu-me com grande festa e de braços abertos ainda em plena rua. O sentimento foi espontâneo e recíproco.

-“Estás mais gordo, pá!” – disse-lhe eu.

Ao que este retorquiu: “E essa guedelha, quando é que se corta!!!”

Entrámos no prédio, uma construção antiga mas recentemente requalificada, e posteriormente, no seu respectivo apartamento. Decoração espartana mas de bom gosto, como convém em casa de mancebo solteiro. Gostei. Senti no ar a luxúria e devassa de tempos idos, da faculdade. Conversa puxa conversa, e enquanto o coadjuvava na confecção de uma pasta al tonno (nome chique para uma simples massa com atum), cai a bomba em forma de revelação. O meu amigo assumia ali, perante mim, o mais improvável dos confidentes nestas coisas, a sua homossexualidade! Em pano de fundo um grave Requiem de Mozart adensa o dramatismo da cena (o meu amigo é, tal como eu, um grande melómano). Cria-se inevitavelmente um certo desconforto agravado pela pequenez da cozinha que forçava a proximidade física.


To be continued...

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

A primeira é para saborear

Que vida estúpida esta!
Comer, defecar, dormir... às vezes fornicar...
As horas entranham-se-me metronomicamente, rasgando-me num esgar.
Repete-se inexorável o círculo da existência,
enveredo a passos largos pela via da auto-destruição.
Que torpor! Que sonolência!
Não me sinto capaz...
Já não vivo. Soçobro...

(Filhas das putas das sardinhas!!!)

Declaração de intenções

Expurgar demónios,
combater quimeras,
momentos kitsch regados a fino espumante francês,
verborreia incontida,
esparsas anastróficas,
erudição de alguidar,
humor de caserna,
distopias ocasionais,
filosofia de ponta,
introspecção (des)controlada,
gongorismos pedantes,
prosopeia antropomórfica,
erotismo venusiano,
diletantismo queirosiano,
flatulência mental,
espantos de incólume e inexorável putrefacção...

Warp 5, Mr. Sulu. Let the journey begin. Aye, Aye, Captain!

Reunião de (con)domínio

     Fim de tarde de Março, marçagão.      Soturnamente contemplo ao longe as nuvens que, neste fim de tarde, açoitadas por Éolo, cavalgam c...