quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O crime do padre Rui

Um homem não é feito de pau apesar de, por vezes, ser de pau feito.
Vem a brejeirice de inquestionável mau-gosto a propósito desta notícia.
Um padre, apesar de homem de Deus por vocação, chamamento ou outra coisa qualquer, é, primeiramente, um homem. E um homem inteiro já que longe vão os tempos veterotestamentários em que o culto se servia de eunucos.

Depois do badalado caso do padre pistoleiro, profeticamente baptizado de Guerra, no remoto faroeste transmontano, chega-nos agora mais uma novela envolvendo o baixo clero. Desta feita, trata-se da pouco original história de um padreca que, aos primeiros arroubos da paixão carnal (convém distinguir; que outras há - como a de Nosso Senhor), vai de esquecer os votos canónicos e os deveres eclesiásticos e dar de frosques com a sua Hermengarda para parte incerta, deixando paróquias em alvoroço e paroquianos incrédulos. Ficou o rebanho desgarrado pela falta do pastor, violentamente arrancado às suas ovelhas por artimanhas do Amor.

Já revelei aqui que eu próprio fui, há pouco mais de uma década, seminarista diocesano e, por tal, estou especialmente habilitado a abordar o assunto com alguma propriedade.

Meus amigos, isto é o que dá encerrar pré-adolescentes de treze anos de idade na atmosfera contra-natura da clausura de um Seminário, como me aconteceu a mim, por força de circunstâncias diversas que não vêm agora ao caso, e a outros como eu. Pior: nessa época não muito distante, o ambiente vivido nessas instituições de inabalável virtude era de tal forma masculino e masculinizado que os afectos, daqueles que ainda não os tinham bem definidos, eram por vezes canalizados para elementos do mesmo sexo. Alguns ex-colegas, vim a saber, viriam mais tarde a assumir a sua homossexualidade, revelação que, a quem como eu com eles privou, não suscitou a mínima surpresa.

Eu, porém, pertencia ao bem mais colorido e saudável grupo dos que ludibriavam pulsões adolescentes às custas de imaginar aqueles dois montículos proeminentes de carne que pulsavam, na cadência ritmada da respiração, debaixo da blusa da Margarida. A Guidinha era uma empregada da casa, no vigor dos seus dezoito ou dezanove anos, um pouco mais velha que a maior parte de nós portanto, que auxiliava as Irmãs (freiras entenda-se) nas lides da cozinha ou da lavandaria e cumpria simultaneamente, ainda que desconhecendo-o ou talvez não, a nobre e altruísta função de, como se disse, alimentar imaginários pueris. E a malta gostava de sobremaneira da Guida e do que esta representava para nós. Estas imaginações, julgo eu que nunca passaram disso mesmo já que a moça dava-se muito ao respeito, amenizavam o nosso sério quotidiano juvenil passado entre estudo, oração, desporto e outras tarefas próprias da casa.

No meu último ano de Seminário Menor, o 12º lectivo, o Sr. Bispo e o Sr. Reitor, num raro rasgo visionário, decretaram que a instituição iria transitar de um regime exclusivo de internato para um regime mais aberto, com recurso a aulas no exterior numa das escolas secundárias da cidade, num gesto que teve tanto de progressista como de economicista já que o decrescente número de alunos não justificava mais os encargos pesados de manter um corpo docente próprio. Foi como atirar cordeirinhos para o meio dos lobos. E das lobas.

Tudo isto a propósito do jovem presbítero desertor que, apesar de alguma distância temporal, deve ter tido uma vivência semelhante à minha, já que a Santa Igreja Católica mede o tempo em séculos e por isso é tão resistente às mudanças que os tempos exigem e assim parece irremediavelmente condenada a apanhar sempre a última carruagem do comboio do progresso.

Colhe a minha simpatia o jovem padre que, no recato do Seminário, deve ter lido Zola, Herculano e Queiroz, o que lhe terá certamente acicatado um espírito romântico já de si fecundo em devaneios amorosos. Teve ainda a decência, o clérigo, de pedir permissão de namoro aos pais da amada, coisa antiga só mesmo de padre, e, perante a negativa destes, não teve outro remédio senão enveredar pela menos airosa via da fuga. Ressalve-se que tudo foi feito na legalidade da recente maioridade da rapariga. É que Deus, na Sua infinita generosidade, perdoa estas e outras falhas. Os homens é que talvez não.

18 comentários:

fd disse...

Apesar do sofrimento e drama da trama, agora razoavelmente resolvida, entusiasmei-me com as certezas, proferidas como condenações ou absolvições sumárias, dos “populares” reunidos frente ao café Bons Costumes.

O texto é delicioso e acho que os cordeirinhos não se importaram de ser sacrificados.

Anónimo disse...

Se o crime do padre amaro foi o sucesso cinematográfico que foi, não tenho duvidas que o crime do padre rui seria ainda melhor. Mas o bolo no topo da cereja seria "meter" em video as crónicas do diocesano Demóstenes. Assim uma coisa tipo "LOST", mas na vez de uma ilha do Pacifico, uma ilha no seminário.

Demóstenes disse...


Amigo Alien,

Caso não saibas, aqui há uns anos foram feitos uns VHS's com o Demóstenes a dizer missa na matriz daquela terra que nós os dois sabemos. Ainda gostava de deitar a unha a essas jóias da iconografia religiosa local.

Abraço,

Demóstenes disse...


fd,

alguns dos cordeiros viraram lobos...

abraço

Sairaf disse...

Olá Caro Demóstenes,
mais um excelente post e deverás controverso.
Nos tempos que correm os padres deveriam ter o direito de casar de mostrar um pouco da sua masculinidade.

Não sei se é por vocação, chamamento ou obrigação imposta pelos pais que muitos seguem esses caminhos. Nada contra, só não entendo o porque das pessoas fazerem uma tempestade num copo de água, se calhar preferem que sejam padres molestadores como aqueles que vimos na América.
Acho muito bem que os padres namorem, provem o sabor do pecado como lhe chamam, se gostam de mulheres ou homens cada um deve de ir ao encontro do que gosta, sem qualquer tipo de preconceitos.

Já por algumas vezes falou do seu tempo de seminário, de tempos a tempos podia deixar algumas histórias...

Com carinho e grande admiração pelos seus textos, abre a mente, faz o pensamento questionar sobre tudo o que há e se valerá a pena levar em frente certas e determinadas crenças que nos são impostas.
Abraço
Sairaf

Mª João C.Martins disse...

Demóstenes

Porque um Homem é Homem e um padre não é coisa diferente.. Porque a igreja teima em achar que os padres deverão ser assexuados ou aprisionados dentro das suas prórias e humanas emoções.. Porque acima de tudo está a necessidade de ser verdadeiro e integro..
Deus abençoe o padre Rui!

Um beijinho

Anónimo disse...

Conheço o ,pelos vistos, ex-padre Rui e a sua familia. Custa-me ve-lo meio achincalhado, meio objecto de gozo.A sua familia tem imenso orgulho nele, a sua terra tem imenso orgulho nele e a unica coisa que nao pode ser perdoada ´´e a sua falta de senso e analise.Pulsoes amorosas ja as tinha tido e optou pela igreja.Devia ter pensado melhor antes dos votos.Agora que ja nao quer ser padre vai ter uma vida muito mais complicada, com uma namorada as costas, sem emprego , sempre com o labeu de ex-padre.É preciso salientar a postura moral do pedido de casamneto mas tambem o quanto dolorosoter ter sido a renuncia a igreja , expor-se ao oprobio publico etc. Infelizmente diz-me a experiencia que este amor lhe vai passar e daqui a algum tempo sera outra a escolhida. sao da natureza da vida estes arroubos que depois passam. Ainda vai voltar a padre se o deixarem.

Anónimo disse...

Ai a Guidinha...essa maluca!!!
isaB
visitem http://nuncafizumblog.blogspot.com

Demóstenes disse...


Anónimo das 21:06,

Longe de mim achincalhar um ex-colega seminarista!

Eu, que desisti da carreira eclesiástica no 2º ano de teologia, tenho uma pequena noção do que terá de enfrentar o jovem padre Rui.

Sem ter a vantagem de conhecer o rapaz, discordo quando diz que este ainda vai voltar a padre. Dize-me também a experiência dos casos dos vários ex-padres que conheço que, mais tarde ou mais cedo, acalmam-se os ânimos e a hierarquia da Igreja, nomeadamente o Sr. Bispo, acabam por ser perdulários e aplacar a ira da populaça até em casos bem mais graves moralmente que este em apreço (p. Ex. quando envolve relações com menores, adultério e/ou prole).

Que seja muito feliz o rapaz com ou sem a sua Fátima!

Eva Gonçalves disse...

O texto: de leitura extremamente agradável, como sempre,com um sorriso nos lábios...
O caso em que se baseia: Espero que o agora ex-Padre, seja feliz, tal como dizes, com ou sem a amada ironicamente apelidada de Fátima, e que não se arrependa desta decisão porventura precipitada. Em todo o caso, não querendo propriamente fazer juízos de valor sobre pessoas e situações que não conheço, penso que todo este caso revela uma certa imaturidade( a fuga... como se de um romance de novela se tratasse), pouco própria de um Padre...ou de um qualquer adulto responsável...mas penso que é ternurenta esta paixão vivida pelos dois. De qualquer modo,não sei se teria vocação para o sacerdócio,mas vocação para o celibato...(como qualquer homem)não teria de certeza...

Demóstenes disse...


Eva Gonçalves,

que maturidade poderá ter um indivíduo de 26 anos quando lhe vê negada uma adolescência feita da dita normalidade?

Mais: os estudos filosófico-teológicos, dos quais tive a minha quota-parte, em quem os tomou com o peso que lhes é devido, podem ser profundamente abaladores da percepção que se tem do mundo mormente em impressionáveis espíritos jovens.

O Seminário, enquanto instituição, dava um verdadeiro case study para disciplinas como a psicologia e a sociologia.

Bom fim-de-semana.

Eva Gonçalves disse...

Penso que tens toda a razão, no que toca à possível percepção adulterada do mundo que os jovens seminaristas possam desenvolver.Se calhar há estudos sobre isso mesmo, mas desconheço. No entanto, também vivi de perto na (ex)família um caso de um cunhado (parece que a palavra ex-cunhado não existe...pelo que continua a sê-lo), que foi "apanhado" nas malhas de uma família de longa tradição seminarista, encorajado pelos pais e sucessivamente desencorajado pelos 5 irmãos!Hoje, Padre, mas que ingressou num seminário no Alentejo em criança, longe dos pais e dos irmãos, tendo como única referência outros Padres da família que lá viviam. Durante a adolescência nem tanto... mas durante o curso,teve muitas dúvidas e viveu momentos de grande ansiedade e incerteza, sempre aconselhado a persistir...em vez de pausar, experienciar a vida e só depois optar com mais maturidade, como penso que deveria ser o caso. Não vejo qual o problema de decidir ser Padre depois de se viver a vida e decidir que é mesmo essa a vocação. Obrigam os jovens a tomar decisões para a vida quando ainda não estão preparados para isso, pois viveram muitas vezes uma vida resguardada de vivências limitadas. Não sei como o anónimo das 21.06, diz que ele já teve "pulsões amorosas" e optou pela Igrja. Mas que experiência pode ter um jovem de 26 anos, para optar com responsabilidade? E que mal tem deixar-se seduzir pela paixão? Não é essa impetuosidade própria da juventude? Apenas significa que não estava preparado para abdicar do que lhe era exigido... e provavelmente, a ambivalência e atrevo-me a dizer, culpa, terá sido sofrimento bastante. Espero muito sinceramente, que a família, os conterrâneos, e os amigos, continuem a sentir orgulho nele, pois não vejo que haja qualquer razão para desmerecer esse orgulho, e que lhe disponibilizem sempre o apoio que precisar!!!

Mar Arável disse...

Palavras sensatas

Manuel Veiga disse...

"faroeste minhoto", meu caro. lol

(parece que a luz tua lanterna anda um pouco mortiça. rsss)

a questão de fundo é mais vasta - mas enfim, concordo com o que dizes! falas do que conheces.

abraço

Demóstenes disse...


Herético,

O caso do padre Guerra passou-se em Covas do Barroso, Boticas (Vila Real) portanto Trás-os-Montes e não Minho.

Obrigado pela visita.

Abraço

Marcia Barbieri disse...

Nunca compreendi muito bem o celibato,ou melhor,nunca concordei com ele,afinal,a carne é tenra demais...

beijos

Demóstenes disse...


Marcia Barbieri,

tenra ou terna? ou ambas?

Muitos pr'a você também.

Brinquinho da cantareira disse...

É o crime do Padre Amaro (POR ACASO UM DOS MEUS LIVROS PREFERIDOS)...

É padre com desvaneios DE AMOR....

É padres com artelharia de guerra em casa....
É padres com aquilo e padres com etc...

Porque será que acham que os padres não são Homens normais???
São HOMENS...
Ai a nossa sociedade...

Mas já sabes que me divirto imenso ao ler o teu blog....
TENS UM Q.....DE QUALIDADE:):)

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